Violência de gênero em debate
- Comunica Extensão UFSJ
- 27 de set. de 2018
- 3 min de leitura

Fechem os olhos!” - pediu com firmeza uma voz ao fundo do auditório, amplificada por batidas secas de tambor, à medida que as luzes se apagavam. Mais uma batida grave no tambor: “A cada cinco segundos, uma mulher é agredida no Brasil”. Outra batida: “A cada 11 minutos, uma mulher é estuprada no Brasil”. As batidas iam ao encontro do ritmo dos dados enunciados, por vezes a contrapelo da expectativa de que haveria luz. Falas atropeladas, ritmo em crescendo, sobressalto na plateia. A última batida, a informação mais assustadora: “A cada batida do tambor, uma mulher foi silenciada, agredida, humilhada ou espancada em São João del-Rei”. Acendem-se as luzes: brusquidão.
A dinâmica é parte da Mística do Coletivo Feminista Carcará e marcou a abertura do I Seminário de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher - desafios e possibilidades, promoção conjunta do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC) e do Núcleo de Estudos em Gênero, Raça e Direitos Humanos (Negah), dos cursos de Medicina e Psicologia da UFSJ. A plateia, reunida na última sexta, 27 de outubro, no Auditório da Biblioteca do Campus Dom Bosco (composta majoritariamente por mulheres de todas as idades), acompanhou a discussão sobre as dificuldades de implementação de políticas públicas que combatam a violência de gênero.
Um breve panorama da violência sexista foi traçado pela estudante de Psicologia e representante do Coletivo Carcará, Cláudia Simões. “As mulheres não estão seguras dentro de casa e muito menos na rua”, destacou. “Temos de romper o silêncio para acabar com a impunidade.”
A analista de políticas públicas do Centro de Apoio à Mulher BENVINDA de Belo Horizonte, Daniele Caldas, afirmou que “não é possível enfrentar o problema da violência sem o trabalho articulado em rede. Do contrário, as mulheres sofrem um processo de revitimização e desistem de ter seus direitos assegurados.” Daniele define a revitimização como uma via dolorosa em busca de justiça, pois não é simples ter que reviver, a cada instância, a situação de violência narrada.
Os direitos de que fala a analista estão majoritariamente garantidos pela Lei Maria da Penha, há mais de 10 anos. A policial do Serviço de Prevenção à Violência Doméstica de Belo Horizonte, Sílvia Adriana Silva, sugeriu que o caminho a se trilhar é o da desnaturalização da violência. “Temos uma lacuna enorme de conhecimento para repensar nossa própria atuação”. Para tanto, propôs cursos de formação e capacitação de agentes das polícias Civil e Militar para o atendimento qualificado às mulheres vítimas de violência.
Direitos assegurados?
“Aqui no Brasil só assumimos o problema da violência de gênero há uns 30 anos”, destaca Sílvia. De fato. A primeira Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) foi criada em 1985, na cidade de São Paulo, como unidade da Polícia Civil dedicada em investigar crimes de violência doméstica e sexual contra mulheres. Com a inclusão da Lei Maria da Penha no Código Penal, em 2006, as DEAMs passaram a agir também de forma a prevenir e proteger as vítimas.
Ou pelo menos deveriam: as Delegacias da Mulher ainda são poucas (apenas 7,9% das cidades brasileiras têm unidades próprias) e inacessíveis. Enfrentam muitos problemas de repasse de recursos pela Secretaria de Segurança Pública do Estado e recebem diversas denúncias de mau atendimento prestado às vítimas.
Além disso, a própria aplicação da Lei Maria da Penha como a conhecemos pode ser modificada. Projeto de lei tramita no Senado para incluir três novos artigos na Lei 11.340/06: o atendimento policial como um direito da mulher vítima de violência; a prioridade para criação de novas Delegacias da Mulher e núcleos investigativos de feminicídio (assassinato de mulher pela condição de ser mulher); e a possibilidade de delegadas(os) emitirem medida protetiva contra o agressor, notificando os juízes em até 24 horas, caso seja entendido que a mulher corre risco de vida.
Este último tópico desperta sensibilidades, pois concentra poder nas mãos de delegadas(os). Com isso, caso o pedido de proteção seja negado, a mulher pode ser encaminhada de volta para casa e reconduzida ao silêncio que envolve as vítimas. Considerando a realidade das DEAMs brasileiras, não é uma situação a ser desconsiderada.
Há, porém, ruídos dissonantes entre as batidas do tambor. Entrou em processo de consulta popular pelo Portal E-Cidadania projeto de lei que prevê a retirada do termo feminicídio e institui o agravante de pena para qualquer crime passional do Código Penal brasileiro, por entender que o termo “fere o princípio de igualdade constitucional”. Se for aprovado, o projeto de lei dificulta o combate à violência de gênero e invisibiliza o problema, na medida em que não será mais possível determinar quantos são os casos de feminicídio no país, não prevendo a aplicabilidade da Lei Maria da Penha como agravante de pena para o agressor.
Mais informações: https://ufsj.edu.br/noticias_ler.php?codigo_noticia=6643
Publicada em 30/10/2017
Comentários